O conceito de comerciante no CIRE

O CIRE prescreve distintas soluções para os cidadãos insolventes consoante sejam comerciantes ou NÃO comerciantes.

Desta forma, a viabilização dos cidadãos pode ser obtida através de dois caminhos distintos que se concretizam na forma de tipos de planos diferentes:

– PEAP – plano de revitalização, destinado a comerciantes, arts. 222º-A a 222º-j do CIRE.
– Plano de Pagamentos, destinado a não comerciantes, arts. 249º e segs. CIRE.

Administrador. O conceito, e a definição legal

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Um particular NÃO comerciante pode usufruir de um PER?

 

Este conceito de COMERCIANTE é muito importante num processo de insolvência de um cidadão, pois determina qual o caminho e quais os planos que estão à sua disposição por forma a que o estado de insolvência seja resolvido sem que o cidadão tenha de ser declarado insolvente.

De facto, os motivos pelos quais se encontram insolventes são importantes:

Autores e argumentos a favor do PER para Pessoas singulares

Então, como sabemos se somos considerados comerciantes?

Infelizmente a definição de comerciante não consta do CIRE.

O CIRE redefine o que é empresa e o que é um Administrador, mas apesar da sua relevância neste contexto o CIRE não define comerciante nem estabelecimento, o que é pena, pois é muito necessário.

 

Assim, temos de nos guiar pelo velhinho Código Comercial de 1880, escrito pelo ministro da Justiça de então, o Sr. Veiga Beirão.

Basicamente o Código Comercial de 1888 diz que:

É comerciante quem pratica actos de comércio.

 

Código Comercial

Art. 2.º Actos de comércio

Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.

Art. 13.º Quem é comerciante

São comerciantes:

1.º As pessoas, que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão;

2.º As sociedades comerciais

Planos de Revitalização (PER) -versus- Planos de Recuperação

  • Definição Insolvência
  • Definição Falência
  • Definição Bankrupcy
  • Situação económica difícil
  • Par Conditio Creditorium
  • Insolvencia limitada
  • Definição Comerciante
  • Def. Estabelecimento

Então, o que é um ato de comércio?

Bom, o Código Comercial de 1888 no seu art 12º determina que quem tem capacidade para actos de comercio pode ser comerciante.

  • Por sua vez o Código das Sociedades Comerciais apenas diz que as sociedades comerciais são… bem, comerciais.
  • Continuamos sem saber o que são pessoas comerciantes…

Para tal temos de ir ao Código Civil, para perceber quem é que tem personalidade jurídica e o direito a decidir comprar e vender, conforme se exige no art 12º do CC de 1888.

 

Código Civil Português

SECÇÃO II – Normas de conflitos
SUBSECÇÃO I – Âmbito e determinação da lei pessoal

Artigo 25.º (Âmbito da lei pessoal)

O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos, salvas as restrições estabelecidas na presente secção.

Artigo 26.º (Início e termo da personalidade jurídica)

1. O início e termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo.
2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa e estas tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º

Artigo 27.º (Direitos de personalidade)

1. Aos direitos de personalidade, no que respeita à sua existência e tutela e às restrições impostas ao seu exercício, é também aplicável a lei pessoal.
2. O estrangeiro ou apátrida não goza, porém, de qualquer forma de tutela jurídica que não seja reconhecida na lei portuguesa.

Artigo 28.º (Desvios quanto às consequências da incapacidade)

1. O negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz.
2. Esta excepção cessa, quando a outra parte tinha conhecimento da incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral, pertencer ao domínio do direito da família ou das sucessões ou respeitar à disposição de imóveis situados no estrangeiro.
3. Se o negócio jurídico for celebrado pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos números anteriores.

 

O conceito de “NÃO comerciante”

Percebe-se melhor o conceito de comerciante do que o conceito de “não comerciante”. Mas pela exclusão de partes também se chega a uma boa conclusão.

Com exemplos percebe-se melhor:

  1. o lojista revende os bens como estão,
  2. o intermediário transporta os bens,
  3. o fabricante transforma os bens,
  4. etc.
  5. Mas os bens não podem ser comprados para consumo próprio do comerciante.

Portanto,
um comerciante é alguém que tem personalidade jurídica para poder comprar bens com o intuito de os revender.

E um ENI, um Empresário em Nome Individual?

Para um empresário em nome individual poder ser considerado comerciante não lhe basta estar inscrito nas Finanças e emitir os chamados recibos verdes.

De facto a maioria dos recibos verdes correspondem a falsos empregados com um emprego precário por conta de um patrão.

Mas uma pessoa que apenas preste serviços pode ser considerado comerciante, porque apesar de nada comprar para revender comprou o equipamento do seu escritório, e assumiu o risco comercial de contratar empregados, e contraiu dívidas para poder montar o seu negócio de vender serviços materiais.

Como se contabilizam os votos num Plano?

  • Sociedade ou Empresa?
  • Empresa ou Estabelecimento?
  • Negócio ou Estabelecimento?
  • Extinção ou Dissolução?
  • Sócio ou Gerente?
  • Gestor de facto ou Direito?
  • Avalista ou Fiador?
  • Comerciante ou Pessoa?

E um Empresário, é Comerciante?

Esta é a pergunta mais difícil…

Dividindo a resposta em três partes:

  1. O cidadão insolvente NÃO é comerciante se for apenas sócio de uma empresa, e não for;
    • nem gerente,
    • Nem Gestor de uma sociedade em nome coletivo, art 175º CSC
    • nem comanditado, de uma sociedade em comandita, art 465º CSC
    • nem avalista, das responsabilidades da empresa
    • nem responsável pela gestão “de facto”.
  2. O cidadão insolvente, SIM, é considerado comerciante, se;
    • se for sócio e também gerente da empresa,
    • se for avalista de dívidas da empresa,
    • se for responsável por dívidas fiscais da empresa ou de um negócio,
    • se provar que é gestor “de facto“, mesmo que não esteja “in juris“, registado na Conservatória.

Como se percebe, a fronteira entre os cidadãos que podem e os que não podem é fluída e tem de ser apreciada com cuidado.

E um titular de uma empresa, é comerciante?

Mas esta pergunta é importante e deve ser respondida com precisão, pois a resposta depende do conceito de

  • “ser titular de uma empresa”

O problema é que a palavra TITULAR é usada indiscriminadamente para representar o sócio ou o gerente e outras coisas.

Neste contexto, se a empresa é apenas um veículo dos negócios do seu dono, o intitulado “sócio-gerente” que tudo decide e tudo manda e que é de facto o “dono daquilo tudo“, e geralmente é também o avalista e responsável subsidiário por todas as dívidas da empresa, então

Portanto, o TITULAR de um negócio com estas caraterísticas pode recorrer ao PEAP, pois a esmagadora maioria das suas dívidas pessoais decorrem do seu negócio, ou da sua empresa, quando esta nada mais é do que um veículo dos seus negócios pessoais.

E,.. o que ensina o Pf. Coutinho de Abreu, no seu “Curso de Direito Comercial” , pp. 136

Defende que os sócios geralmente não são comerciantes, pois não gerem.
Mas alerta para as exceções;

  • os Comanditados, art 175º CSC,
  • os Associados em nome coletivo, art 465º CSC,
  • e os Gestores “de facto” quando prestam avales.

E,.. Catarina Serra no seu livro de 2012, pág. 35

Defende que sempre que não exista uma empresa ou entidade claramente constituída na respetiva Conservatória serão os seus titulares (donos), de facto ou direito, que serão o objeto (alvo) do processo de insolvência, portanto claramente os titulares de uma empresa podem usufruir de um PER.

 

NOTAS:

  1. Se iniciar um PEAP que não venha a ser aprovado, avança quase diretamente para insolvência,
  2. Se avançou para PEAP a contar com a sua aprovação porque conta ter mais de 50% dos votos, depois em Plano de Recuperação precisará de dois terços dos votos, e pode não chegar.

Quando um PER não é aprovado… insolvência?

Comparando os Planos de Pagamentos com o PEAP

O PEAP apenas foi introduzido no CIRE em 2017.

Até essa data as pessoas particulares comerciantes não podiam recorrer ao Plano de Pagamentos, que apenas excluía as empresas e os grandes comerciantes em nome individual, e outras organizações comerciais como as cooperativas.

O Plano de Pagamentos existe desde o início do CIRE em 2004

O Plano de Pagamentos, doravante apenas PP, tem algumas caraterísticas comuns com o PEAP, mas também tem algumas diferenças. Vejamos.

Porque um particular NÃO comerciante não pode recorrer ao PER?

As semelhanças:

As diferenças:

  • O PEAP pode ser retirado, antes de publicada a lista de credores, se o devedor desistir dele.
  • O PP é aprovado ou segue sempre para a declaração de insolvência com o subsequente registo e liquidação
  • O PEAP é um acordo que o devedor pode não aceitar. Ou seja, o devedor tem uma espécie de direito de veto,
  • O PP é um acordo apenas entre os devedores, podendo ser aprovado contra os desejos do devedor.
  • Apenas o PEAP pode ser aprovado por uma maioria de votos favoráveis de 50% de todos os credores, que votem ou se abstenham.

 

As Votações

  • O PEAP é aprovado com 50% do total de credores
  • o Plano de Pagamentos é aprovado com 2/3 dos credores que votarem

Note-se que o universo é diferente;

  • Em PEAP o universo são todos os credores que reclamam créditos, independentemente de votarem ou não,
  • Em PP o universo são apenas os credores que expressam, escrevem a votar em qualquer sentido.

O efeito das abstenções;

  • Se as abstenções forem exatamente de 1/4 então os 2 planos são exatamente iguais,
  • Se as abstenções forem menores que 1/$ então o PEAP é mais fácil de aprovar,
  • se as abstenções forem superiores a 1/4 então o PP é mais fácil ed aprovar.

Plano de Pagamentos – apenas para pessoas

PER: o que é e como funciona um PER

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Comparando os fundamentos legais do PEAP com o PP, (Plano de Pagamentos)

O CIRE é um código extenso, mas pode consultar aqui os dois excertos relevantes para esta questão.

Como funciona o PER para comerciantes

Mas porque é que os cidadãos apenas sobre-endividados têm de ir por um caminho, o PP, que os pode conduzir a serem declarados insolventes?

Porque o legislador entende que a finalidade com que se pede dinheiro é relevante para a forma como se salda a dívida.

De facto, quando se empresta dinheiro a um comerciante, o credor corre um risco calculado de nada receber de volta e pondera se quer vender ou não, e ajusta o preço em conformidade.

A legislação comercial não tem dó nem piedade dos credores gananciosos.

Por outro lado, quando se empresta a uma pessoa para ela consumir e beneficiar do dinheiro e dos bens que adquire como crédito, o devedor está a viver à custa do credor, e tem de ser incentivado (coagido) a pagar por aquilo que gasta e consome em seu belo prazer pessoal.

O PER é uma legislação muito simples e recente, pelo que necessita de ser corrigida pela jurisprudência.

Enquanto o legislador não a corrige, o STA e outros tribunais têm apreciado a problemática e têm decidido no sentido de não permitir que os devedores por sobre-endividamento recorram ao PER.

À data deste texto, prevê-se que no início de 2017 seja introduzida legislação neste sentido, por forma a cumprir as diretivas do Conselho de Ministros de Out. 2016.

 

Veja aqui um acórdão do STA neste sentido

Administrador. O conceito, e a definição legal

Resumindo:

  • Comerciante é aquele que tem personalidade jurídica para praticar atos de comércio.
  • Quem compra para gastar não é comerciante (independentemente de gastar numa casa ou num casino).

Concluindo:

O PEAP é só para quem tenha dívidas com origem em atos de comércio.

Os sobre-endividados por atos de consumo têm o Plano de Pagamentos para reorganizar as suas vidas.

–*–


 

João PM de Oliveira

Estratégias
na R€-estruturação de Passivos

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